Varíola dos macacos: as perceções das pessoas em risco

* Artigo original da Organização Mundial de Saúde 

Desde que o atual surto mundial de varíola dos macacos surgiu na Europa, a maioria dos casos foram encontrados em homens que fazem sexo com homens (HSH), em particular naqueles que têm parceiros múltiplos e muitas vezes anónimos – e que frequentam locais como saunas, bares e clubes de sexo ou utilizam aplicações de encontros. 

A OMS/Europa tem estado em contacto com ativistas e organizações LGBTQI+, nomeadamente os organizadores dos eventos ‘Pride’, assegurando que recebem a melhor informação e aconselhamento para divulgar à comunidade, inclusive em eventos com grande afluência.

Esforços semelhantes de alcance comunitário e parcerias com alguns governos, como por exemplo em Portugal, resultaram numa elevada sensibilização para a varíola dos macacos, o que provocou alterações no comportamento e precauções acrescidas nas pessoas, reduzindo os riscos para a saúde e ajudando a travar o surto.

Fornecer informações factuais sobre onde o vírus se está a propagar, sem julgamento, é fundamental para ajudar os indivíduos a tomarem medidas para diminuir o risco de exposição. É importante evitar qualquer estigma e discriminação das comunidades afetadas, que precisam de ser envolvidas em soluções para travar a propagação. 

Depois de o surto ter sido declarado como Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional no final de julho, é agora importante travá-lo, salientou o Diretor Regional a Organização Mundial de Saúde para a Europa, Hans Henri P. Kluge. “A responsabilidade é necessariamente conjunta, partilhada entre instituições e autoridades de saúde, governos, comunidades afetadas e os próprios indivíduos”.  

A OMS falou com homens que interagem sexualmente com outros homens através de uma série de locais ou plataformas, para ouvir a sua perceção sobre o surto de varíola dos macacos e como este teve impacto nas suas vidas.  

Todos têm consciência da doença e dos sintomas a ter em conta – erupções cutâneas ou lesões semelhantes a bolhas – e sabem que este surto é maioritariamente transmitido pelo contacto de pele com pele durante o sexo. 

John, de 52 anos, de Londres, explica como se sentiu quando se inteirou sobre o atual surto: “Inicialmente não estava muito preocupado, porque pensava que tinha de ter viajado para um dos países onde a doença é endémica. Mas depois, ao ouvir mais, percebi que não era este o caso – estava a espalhar-se entre pessoas sem qualquer registo de viagem a África. Isso fez-me ver as coisas de outra forma, particularmente porque na Europa os casos estavam a ser encontrados principalmente entre homens homossexuais e estava a espalhar-se através da prática de sexo”. 

 

Mudar comportamentos 

Os homens entrevistados referiram como o número crescente de casos os levou a reconsiderar seriamente o seu comportamento sexual – pelo menos enquanto a varíola dos macacos estiver em circulação generalizada.  

Alessandro, de 34 anos, da região de Milão, Itália, foi franco acerca dos seus hábitos sexuais habituais: “Costumava ir a um bar ou sauna quase todos os fins-de-semana e conversava com pessoas no Grindr [uma aplicação de encontros] várias vezes por dia. Com o surto de varíola dos macacos já não tenho sexo há um mês e deixei de entrar na aplicação”. 

“Neste momento, penso que todos os HSH que têm múltiplos parceiros precisam de ser mais responsáveis para ajudar a reduzir significativamente o número de casos. Todos devem repensar os seus hábitos sexuais e fazer o que estiver ao seu alcance para se protegerem a si próprios e aos outros”. 

Ryan tem 49 anos, vive em Birmingham, Reino Unido, e decidiu também abster-se de sexo enquanto o vírus é tão prevalente. “No início não pensei que o surto tivesse muito impacto em mim, mas à medida que o número de casos aumentou tornou-se mais assustador e real e fez-me reavaliar o que faço. Costumava ir regularmente a locais de sexo, mas na minha última visita notei uma diminuição do número de pessoas presentes. Por enquanto, decidi que o melhor a fazer é simplesmente não ir”. 

Este comportamento é partilhado pelo Giacomo, 31 anos, de Brescia, Itália, por razões muito pessoais: “Dois dos meus amigos tiveram varíola dos macacos, por isso vi-o em primeira mão. Vivo em casa de família e detestaria que os meus pais descobrissem que eu também a tinha. Portanto, por agora, deixei de ir a clubes de sexo e de ter sexo completamente”. 

 

Medidas temporárias 

No entanto, dado que esta emergência internacional de saúde pública surgiu tão pouco tempo depois de restrições e encerramento de locais no auge da pandemia da covid-19, Giacomo – como muitos dos homens com quem a OMS falou – é honesto quanto ao tempo que sente que pode manter estes comportamentos: “Após dois anos de restrições sociais devido à pandemia da covid-19, todos nós queremos voltar a ter mais da vida que tínhamos antes, e ter a liberdade de poder visitar locais de sexo quando queremos é uma parte importante para mim”. 

A OMS/Europa não defende a abstinência permanente do sexo, mas recomenda que os indivíduos da comunidade HSH considerem seriamente a limitação dos seus parceiros sexuais e interações neste momento, como um meio de evitar a contaminação por varíola dos macacos e de limitar o seu efeito nos indivíduos e na comunidade em geral.  

 

Locais podem ajudar  

A OMS/Europa não recomenda o encerramento de locais de sexo. Estes locais devem ser mantidos abertos e podem ser eles próprios parte da solução para controlar o surto. Podem ajudar a divulgar mensagens às pessoas mais em risco, para as informar sobre riscos, estratégias de prevenção e serviços de saúde disponíveis para testes. Sabe-se que muitos estabelecimentos estão já a fazer isso. 

“Vi informações sobre a varíola dos macacos em muitos dos locais que visitei – é bom e é a coisa certa a fazer”, diz John. “Esperemos que faça as pessoas pensarem duas vezes antes de entrarem, particularmente se tiverem lesões ou uma erupção cutânea”. 

Tomar a vacina 

Os cinco homens entrevistados querem estar vacinados para estarem mais protegidos contra a doença. No entanto, embora uma nova vacina tenha sido aprovada para a prevenção da varíola dos macacos, e acredita-se que a vacina tradicional contra a varíola proporciona um elevado grau de proteção, estas vacinas ainda não estão amplamente disponíveis. Isto significa que muitos países não estão atualmente a oferecer vacinas a HSH e outros grupos de alto risco. 

Ryan está, ainda assim, bem encaminhado para a toma da vacina. “Estou a planear obter a vacina esta semana. Embora não esteja de momento a visitar saunas, diria que, assim que tiver a vacina, voltarei”. 

Alessandro conseguiu tomar a vacina contra a varíola dos macacos enquanto estava de férias em França: “Sou gay e seropositivo e conheço pessoalmente dez pessoas que tiveram varíola dos macacos – algumas delas com dores muito fortes no ânus e na uretra. Isso fez com que me preocupasse muito com a doença. Consegui obter a minha vacina Imvanex [uma vacina aprovada pela Agência Europeia de Medicamentos para uso contra a varíola dos macacos] no início de agosto. É muito importante porque quero ter sexo novamente e reduzir quaisquer sintomas da doença se a apanhar. Mas ainda vou esperar antes de ter novos encontros sexuais, porque sei que o meu corpo precisa de acumular os anticorpos para construir corretamente as suas defesas”. 

A vacinação é um componente importante na resposta à varíola dos macacos, mas não é uma fórmula mágica. A oferta mundial de vacinas disponíveis é atualmente limitada e, em conjunto com o envolvimento da comunidade, os países precisam de conceber mecanismos eficazes de fornecimento de vacinas às populações de maior risco, sem gerar estigma e discriminação. Além disso, embora os estudos sugiram que as vacinas disponíveis são eficazes na prevenção da infeção por varíola dos macacos, os dados sobre a eficácia real ainda estão a surgir. 

  

Receio de estigma  

Como o surto continua a crescer – em números e dispersão geográfica – muitos dos inquiridos estão preocupados com a possibilidade de haver um aumento do estigma contra a comunidade HSH. 

“Isto tem ecos da crise do VIH/SIDA nos anos 80 e 90”, diz John, “e receio que possa haver uma estigmatização dos HSH – ainda que se trate de uma doença que qualquer pessoa possa potencialmente apanhar”. 

“Como se explica ao empregador, parceiro ou família que se tem varíola dos macacos” pergunta Ryan, “particularmente se houve contacto próximo com algum deles? Pode arruinar as relações e pôr em risco a saúde das pessoas. Precisamos de torná-la uma doença não sujeita a culpa e julgamento”. 

  

Mensagem da OMS/Europa  

Aos homens que fazem sexo com homens e especialmente àqueles que têm múltiplos parceiros sexuais, a OMS sugere: 

– Conheça os factos – saiba como a doença se está a propagar e o que as pessoas podem fazer para se protegerem.  

– Pense em limitar o número de parceiros sexuais e as interações neste momento. Esta pode ser uma mensagem dura, mas exercer cautela pode salvaguardar-vos e à comunidade em geral.   

– Embora a vacinação possa estar disponível para algumas pessoas com maiores riscos de exposição, não é uma fórmula mágica. Considere tomar medidas para reduzir esse risco, por enquanto.   

– Se estiver infetado pode estar contagioso – por isso, faça tudo o que estiver ao vosso alcance para evitar a propagação da doença, incluindo isolar-se e fazer uma pausa em encontros sexuais e participação em eventos sociais. 

O fim deste surto pode acontecer, mas apenas com o pleno envolvimento e compromisso dos indivíduos e grupos mais afetados. Embora a responsabilidade de agir seja partilhada, as autoridades de saúde e os governos devem direcionar os recursos e o apoio para onde haja mais impacto. 

 

NOTA: Os nomes dos entrevistados foram alterados para proteger as suas identidades. A OMS agradece a disponibilidade de todos os homens que concordaram em falar.