Nos últimos anos, o Haiti viveu múltiplas crises: políticas, climáticas e humanitárias. Em 2021, este país das Caraíbas, já enfraquecido por ciclos de instabilidade, também não foi poupado.
“Foi a aceleração destas crises que levou o país ao ponto em que se encontra agora”, explica o representante especial adjunto do secretário-geral e coordenador residente e humanitário no Haiti, Bruno Lemarquis.
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Entre 2018 e 2019, “houve uma agitação sociopolítica que se chamou ‘Peyi Lok’, o que significa fechar o país. O país encontrava-se bloqueado devido a estes problemas sociopolíticos, mesmo antes da chegada da covid-19. O país estava completamente bloqueado”.
Mas acima de tudo, 2021 representou “uma série negra” de crises para o Haiti.
“Todos os meses desde Junho, tem havido uma crise”, sublinha o funcionário da ONU. “Em junho, houve confrontos de gangues a um nível sem precedentes; em julho, o assassinato do Presidente Jovenel Moïse; em agosto, outro terramoto, com consequências dramáticas no sul do país; em setembro, o repatriamento de migrantes haitianos, particularmente dos Estados Unidos; e em outubro e novembro, a crise dos combustíveis, com gangues a bloquearem os dois portos petrolíferos do Haiti durante várias semanas.
Esta acumulação de crises está a ocorrer num contexto de “grande instabilidade política e de uma situação de segurança e económica muito deteriorada”.
O Terramoto
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O Haiti foi atingido por um terramoto de 7,2 graus de magnitude a 14 de Agosto de 2021, que causou uma destruição generalizada em zonas predominantemente rurais. Para além dos mortos e feridos, milhares de casas foram danificadas ou destruídas, juntamente com infraestruturas fundamentais, incluindo escolas, hospitais, estradas e pontes, que perturbaram serviços essenciais relacionados com logística, agricultura e comércio. Segundo as Nações Unidas, cerca de 800 mil pessoas foram afetadas de uma forma ou de outra (incluindo 300 mil crianças, que deixaram de poder ir à escola).
Imediatamente a seguir à catástrofe natural, o Governo haitiano, juntamente com as Nações Unidas e outras organizações, entrou em ação para prestar ajuda humanitária de emergência à população afetada.
O sistema de resposta urgente a catástrofes naturais foi, evidentemente, melhorado depois do terramoto devastador de 12 de Janeiro de 2010, no qual cerca de 220.000 pessoas morreram, em grande parte na capital, Port-au-Prince, e zonas circundantes. Ao contrário de 2010, o governo em 2021 estava mais preparado para coordenar uma resposta de emergência de grande escala, mas continua a ser essencial que o governo melhore e introduza medidas mais robustas para a redução do risco de catástrofes.
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Seis meses após o terramoto devastador, que causou a morte de 2.200 pessoas e feriu mais 12.700, a comunidade internacional quer juntar-se ao Governo do Haiti para angariar até 2 mil milhões de dólares para a recuperação e reconstrução a longo prazo do país. Um pouco mais de três quartos desse montante, o equivalente a cerca de 1,5 mil milhões de dólares, irão ser utilizados no relançamento dos serviços sociais, incluindo habitação, saúde, educação e programas de segurança alimentar, enquanto que o restante será gasto na dinamização da agricultura, comércio e indústria, bem como na reparação de infraestruturas fundamentais.
As outras crises do Haiti
Do ponto de vista humanitário, a situação no Haiti continua a deteriorar-se, segundo Bruno Lemarquis. “Para além do terramoto de Agosto de 2021, a maioria das necessidades humanitárias dos últimos anos deve-se a crises provocadas pelo homem”.
O país tem elevados níveis de pobreza e ocupa o lugar 170º na lista composta por 189 países do mundo inteiro, no Relatório de Desenvolvimento Humano 2020 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Aproximadamente, 4,9 milhões de pessoas (o equivalente a 46% da população haitiana) necessitarão de ajuda humanitária em 2022, um aumento de cerca de 10% em relação ao ano passado.
A economia do Haiti encontra-se numa situação difícil, que piorou durante o recente bloqueio das entregas de gasolina por bandos armados que quase paralisou o país. O sentimento de insegurança é generalizado, devido aos aumentos dos raptos e da expansão do poder de controlo dos gangues em muitos bairros da capital do país.
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A taxa de insegurança alimentar também continua a aumentar, sendo que os números relativos à mesma são mais ou menos equivalentes aos da República Centro-Africana e aos do Sudão do Sul, onde 46% e 48% da população estão em situação de insegurança alimentar, respetivamente.
Para colmatar este cenário, o Haiti também enfrenta a ameaça permanente e destabilizadora da pandemia da covid-19, tal como o resto do mundo
No entanto, Bruno Lemarquis considera que, em termos de financiamento, o Haiti é frequentemente deixado de fora. “É uma crise um pouco negligenciada. Há muito cansaço da parte dos doadores. O plano de resposta humanitária do ano passado foi financiado por cerca de um terço [deles]. Foi lançado um apelo relâmpago após o terramoto de Agosto, que foi mais bem financiado. Mas há cansaço”, explica.
Um plano para a recuperação
A 16 de Fevereiro, o Governo haitiano vai organizar uma conferência internacional em Port-au-Prince, na qual espera angariar pelo menos 1,6 mil milhões de dólares dos 2 mil milhões de dólares de que necessita para a recuperação do país.
As perspetivas não são as melhores, já que muitos dos países doadores a nível mundial estão a debater-se com a carga financeira adicional que a pandemia tem colocado sobre os seus recursos. Além disso, o Haiti está, na realidade, a competir por fundos com outras crises humanitárias que se estão a desenrolar em todo o mundo, tais como a do Afeganistão e a da região etíope de Tigray.
Um dos trunfos do Haiti pode ser a sua enorme diáspora, especialmente nos Estados Unidos, que se espera que venha a contribuir para o esforço de angariação de fundos, tal como os filantropos sediados nesse mesmo país.
É fundamental sublinhar que se o país não obtiver o apoio de que necessita, então a sua recuperação, desenvolvimento e capacidade de resistir a outras catástrofes naturais serão todos negativamente afetados.
Se quiser contribuir para a recuperação do Haiti, poderá fazer a sua doação aqui.