Guterres: “Estamos mais unidos pelo nosso destino comum do que divididos pelas nossas identidades distintas”

“Vivemos tempos de grandes desafios, num cenário mundial marcado por uma crescente polarização e desconfiança.” António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, discursou durante a sessão de abertura do X Fórum Global da Aliança das Civilizações das Nações Unidas onde sublinhou a ideia de que o “tecido social está sob acentuada pressão” em muitas partes do mundo. A escalada de conflitos, o aumento das tensões sociais e a propagação de discursos de ódio são apenas algumas das manifestações dessa crise de confiança que afeta as relações humanas e internacionais, afirmou Guterres perante os 1.800 participantes, incluindo o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Rei de Espanha, Felipe VI.

No seu discurso, Guterres apelou à ação, pedindo esforços coletivos para restaurar a paz, a solidariedade e a confiança no sistema multilateral.

António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, discursou durante a sessão de abertura do X Fórum Global da Aliança das Civilizações das Nações Unidas onde sublinhou a ideia de que o “tecido social está sob acentuada pressão” em muitas partes do mundo. Foto ONU/ Carlos Porfírio

Crise de confiança

Segundo Guterres, “a ausência de paz está a conduzir a uma erosão da confiança”, não apenas nas instituições internacionais, mas também nas sociedades em geral. Num mundo globalizado, onde as informações circulam com uma rapidez sem precedentes através das redes sociais, a confiança tornou-se um recurso cada vez mais escasso. O discurso de ódio, amplificado pelas plataformas digitais, está a minar as relações entre povos e comunidades, exacerbando divisões e criando uma sensação de insegurança.

A crescente xenofobia, o racismo e a intolerância alimentados pela desinformação são, segundo Guterres, “táticas antigas com um novo meio”. O papel das redes sociais na propagação de estereótipos e discursos de ódio foi enfatizado pelo secretário-geral, que destacou a importância de uma regulação eficaz para combater essa epidemia digital. O diplomata português sugere, entre outras soluções, a implementação de iniciativas como os “Princípios Globais para a Informação das Nações Unidas”, que visam garantir um ecossistema de informação mais ético e respeitador dos direitos humanos.

O Fórum Global da Aliança das Civilizações contou com cerca de 1.800 participantes, incluindo o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Rei de Espanha, Felipe VI. Foto ONU/ Carlos Porfírio

Paz e soluções duradouras

O caminho para a reconstrução da confiança começa, inevitavelmente, pela busca pela paz. Guterres fez um apelo claro pela paz em várias regiões do mundo, destacando conflitos emblemáticos, como o da Ucrânia, de Gaza, do Líbano e do Sudão. A sua visão para a paz é clara: uma paz justa, baseada na Carta das Nações Unidas, no direito internacional e nas resoluções da Assembleia Geral. Esta busca pela paz, porém, não se limita à resolução de conflitos armados, mas também envolve a criação de um ambiente de diálogo, respeito e reconciliação entre diferentes povos e culturas.

Em relação ao conflito em Gaza, por exemplo, Guterres repetiu o seu apelo a um cessar-fogo imediato, à libertação dos reféns e ao início de um processo que conduza a uma solução de dois Estados, como um passo para uma paz duradoura. A sua visão é clara: a paz é o pilar essencial para a reconstrução da confiança, e sem ela, a destruição e a desconfiança continuarão a prevalecer.

As comunidades e a diversidade

Guterres também destacou a importância das comunidades na construção de um tecido social mais forte e resiliente. A criação de “comunidades de confiança e de pertença” é vista como um alicerce para sociedades mais pacíficas e justas. Essas comunidades não podem ser construídas apenas por governos ou instituições, mas devem envolver organizações de base, comunidades marginalizadas, autoridades locais e, especialmente, líderes religiosos. Segundo Guterres, o papel das mulheres e dos jovens deve ser especialmente destacado, já que são frequentemente os motores de mudanças sociais positivas.

Para além disso, Guterres sublinhou que a diversidade cultural deve ser vista como uma “riqueza e a nossa maior força, não uma ameaça”. Num mundo cada vez mais multicultural e multiétnico, respeitar e promover a diversidade é fundamental para gerar confiança nas sociedades. As iniciativas que promovem a inclusão, como o programa “Plural Plus”, da Aliança das Civilizações, são exemplos de como os órgão de comunicação social e as novas gerações podem desempenhar um papel vital na construção de narrativas mais inclusivas, especialmente em questões como a migração.

Reformas das instituições multilaterais

Além das ações nos níveis local e comunitário, Guterres lembrou a necessidade de reformas no sistema multilateral, que se mostrou incapaz de lidar com as complexidades do mundo contemporâneo. O Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, é descrito como “ultrapassado e frequentemente paralisado”, o que compromete a capacidade da ONU de agir de forma eficaz diante de crises mundiais. A arquitetura financeira internacional, por sua vez, não reflete a realidade económica atual, sendo, muitas vezes, “inadequada e injusta”.

Foto de família do X Fórum Global da Aliança das Civilizações das Nações Unidas, em Cascais. Foto ONU/Carlos Porfírio

Para Guterres, o “Pacto para o Futuro“, adotado em setembro de 2023, é uma tentativa de atualizar a governação internacional, tornando-a mais justa, inclusiva e interligada. Este pacto enfatiza a importância de atualizar as instituições multilaterais para que possam enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais interdependente.

Unidade na Diversidade

O discurso de António Guterres propôs uma reflexão profunda sobre os desafios enfrentados pelo mundo atual e as ações necessárias para os superar. Em tempos de crescente polarização e de divisão, o líder da ONU apelou à unidade na diversidade, destacando que “estamos mais unidos pelo nosso destino comum do que divididos pelas nossas identidades distintas”. A solidariedade, a paz e a confiança são as bases para um futuro mais justo e pacífico, e é fundamental que todos, desde líderes mundiais até ao cidadão comum, se unam para reconstruir um mundo em que a dignidade humana e os direitos de todos sejam respeitados.