O Governo português formalizou, a 29 de fevereiro, a candidatura de António Guterres a Secretário-geral das Nações Unidas, através de uma carta do Primeiro-Ministro dirigida aos Presidentes da Assembleia-Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O próximo Secretário-geral da ONU assumirá funções a 1 de janeiro de 2017, substituindo o sul-coreano Ban Ki-moon, que cumprirá dois mandatos de cinco anos.
O texto sublinha o “amplo consenso interno” em torno da candidatura do ex-primeiro-ministro e antigo Alto-Comissário da ONU para os Refugiados.
“Ao tomar esta iniciativa, Portugal contribui de forma ativa para o processo de seleção do próximo Secretário-geral, apresentando um candidato excecionalmente qualificado para o desempenho daquele lugar”, diz uma nota do executivo, divulgada ao final de segunda-feira.
“No decurso de uma longa carreira de serviço público, nomeadamente enquanto primeiro-ministro (1995-2002) e Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (2005-2015), António Guterres deu provas do seu compromisso com os ideais humanistas consagrados nos objetivos e nos princípios da Carta das Nações Unidas, bem como da sua capacidade de liderança e gestão ao mais alto nível. São amplamente reconhecidas as suas competências diplomáticas, essenciais para gerar consensos ao serviço de um multilateralismo efetivo”, argumenta o governo.
Guterres é ainda descrito como um “profundo conhecedor do sistema das Nações Unidas” que demonstrou sempre “forte capacidade reformista e permanente empenho na promoção da igualdade de género, com resultados concretos e duradouros”.
“Enquanto Alto-Comissário para os Refugiados, lugar que ocupou em dois mandatos sucessivos, lidou com um dos mais exigentes desafios com que a comunidade internacional se depara, desempenhando as suas funções com irrepreensíveis imparcialidade, competência e eficácia, bem como profunda consciência humanitária em prol das populações refugiadas e deslocadas”, é também referido na nota.
Para o Governo, a candidatura de Guterres é “um imperativo, num tempo em que, mais do que nunca, é urgente mobilizar o mundo em prol da paz e da segurança, dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável”.
Além de Guterres, foram apresentadas formalmente até agora outras seis candidaturas:
- Srgian Kerim, da antiga República Jugoslava da Macedónia
- Vesna Pusic, da Croácia
- Igor Luksic, do Montenegro
- Danilo Turk, da Eslovénia
- Irina Bokova, da Bulgária
- Natalia Gherman, da República da Moldávia
“Obrigação de estar disponível”, diz Guterres
António Guterres já admitiu que a corrida a Secretário-geral das Nações Unidas “não é fácil” mas que, em todo o caso, está “inteiramente disponível e tranquilo”, citou o jornal Público, no passado dia 26 de janeiro. “Tudo o que aprendi ao longo da vida, em todas as enormes oportunidades que me foram oferecidas, cria-me a obrigação de estar disponível, numa lógica que foi sempre de serviço público e num mundo em situação muito difícil”, acrescentou.
António Manuel de Oliveira Guterres, nasceu a 30 de abril de 1949, em Santos-o-Velho, em Lisboa. Licenciou-se em Engenharia Eletrotécnica, com 19 valores, na Universidade Técnica de Lisboa.
Em 1983, foi nomeado Presidente da Comissão Parlamentar de Demografia, Migrações e Refugiados da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Na vida política portuguesa, Guterres foi Secretário-geral do Partido Socialista, entre 1992 e 2002, tendo sido também deputado da Assembleia da República.
Em outubro de 1995 foi eleito primeiro-ministro, cargo que exerceu nos XIII e XIV governos constitucionais, até abril de 2002. Entre novembro de 1999 e junho de 2005 foi, ainda, presidente da Internacional Socialista.
Em 2005, António Guterres assumiu o cargo de Alto-Comissário da ONU para os Refugiados, tendo cessado funções a 31 de dezembro de 2015, cumprindo dois mandatos de cinco anos.
Guterres foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, pelo Presidente de Portugal, Cavaco Silva, no passado dia 2 de fevereiro.
Prós e contras
A candidatura de António Guterres é vista como tendo muitas possibilidades mas também alguns obstáculos, tanto pelo governo português como pelo próprio.
A favor está o prestígio da ação enquanto Alto-Comissário para os Refugiados, o facto de ter sido primeiro-ministro de um país da União Europeia e de ter presidido à União Europeia.
Mas são considerados obstáculos o facto de vozes da comunidade internacional e do próprio sistema da ONU se manifestarem em prol do equilíbrio de género e regional, já que nunca houve um líder da ONU do sexo feminino ou nacional d eum país da Europa de Leste.
A visível unanimidade da ONU na promoção do equilíbrio dos géneros está patente nas palavras do atual Secretário-geral, que afirmou que “é tempo de uma mulher desempenhar o cargo” e que “há muitas mulheres qualificadas, com experiência e comprometidas que podem desempenhar bem a função”.
O próprio António Guterres disse que “esta não é uma candidatura fácil”, já que considera não poder “ser contrário à ideia de que também as mulheres devem ter uma oportunidade em relação aos altos cargos”.
O candidato português também reconheceu a pertinência das “questões de organização das Nações Unidas em relação às diversas regiões. Tudo isto tem uma grande complexidade, mas a minha atitude é muito simples: é de disponibilidade”.
Reuniões já em abril, num processo “mais transparente”
De acordo com a Carta das Nações Unidas, o Secretário-geral é nomeado pela Assembleia-Geral na sequência da recomendação do Conselho de Segurança. O cargo requer os mais elevados padrões de eficiência, competência e integridade para levar a cabo um forte compromisso com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas.
Na passada sexta-feira, 26 de fevereiro, o Presidente da Assembleia-Geral, Mogens Lykketoft, anunciou que vai realizar uma série de diálogos informais e reuniões com todos os potenciais candidatos, de 12 a 14 de abril.
Cada candidato terá uma reunião de duas horas para apresentar a sua candidatura e os Estados-membros terão a oportunidade de fazer perguntas.
“Penso que estamos perante algo histórico que poderá, potencialmente, mudar a forma como o Secretário-geral passa a ser nomeado”, disse Lykketoft, que inaugurou um novo processo de seleção e nomeação do Secretário-geral ao ter enviado, em dezembro passado, uma carta escrita em conjunto com o presidente do Conselho de Segurança, para criar um processo “mais transparente”.
“Os diálogos informais serão tão abertos e transparentes quanto possível, tendo em conta o grande interesse do público e da sociedade civil global”, afirmava a carta.
Mogens Lykketoft disse que cada candidato poderá fornecer uma declaração da sua visão para ONU com não mais de duas mil palavras e que esse documento será facultado aos Estados-Membros e ao público.
Processo de seleção
Questionado sobre se existe regulamentação sobre rotação regional, o Presidente da Assembleia-Geral disse que não há “uma regra rígida e rápida”, mas que dos cinco grupos regionais, apenas o grupo da Europa de Leste ainda não teve um Secretário-geral.
“Temos agora a oportunidade de dar à sociedade civil muito mais influência do que antes”, disse, acrescentando que seria “difícil” que o Conselho de Segurança “apresentasse mais tarde um nome diferente” dos que estiverem em apreciação.
Todos os Estados-membros da ONU são encorajados a participar e o Presidente do Conselho de Segurança deve consultar a Assembleia-Geral, numa base regular.
Além disso, o Presidente da Assembleia-Geral tem o direito de consultar os Estados-membros e recomendar potenciais candidatos ao Conselho de Segurança.
As nomeações têm sido, tradicionalmente, feitas pelos Estados-membros, não havendo uma regra que estipule quem pode nomear.
Na primeira fase do que é um processo de duas etapas, o Conselho de Segurança adota uma resolução de recomendar um candidato à Assembleia-Geral.
Mesmo que, tecnicamente, não exista limite para o número de recomendações, a prática é que se nomeie apenas uma pessoa. Se for posto a consideração mais do que um candidato, passa-se à votação.
As negociações têm lugar à porta fechada, conforme aa Regra 48 das Regras Provisórias de procedimento do Conselho de Segurança.
A decisão requer pelo menos nove votos a favor, incluindo os dos cinco membros permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e EUA). Tal configura que estes cinco países têm, de facto, poder de veto (resolução da AG 11 (I) de 1946).
Numa segunda fase, a Assembleia-Geral analisa o perfil do candidato nomeado pelo Conselho de Segurança e procede à votação, que decorre à porta fechada (estipulado pela Regra 141 das Regras de Procedimento da Assembleia Geral).
A nomeadação requer uma maioria simples para a eleição.
Pela primeira vez, em 70 anos de história, a ONU vai fazer esta seleção com mecanismos que permitem uma auscultação dos Estados-membros, audições aos candidatos e mobilização da opinião pública, tendo sido criada uma página na Internet dedicado ao Procedimento para Seleção e Nomeação do Secretário-geral da ONU.
Artigos relacionados
Presidente da Assembleia-Geral da ONU visita UE e pede ação concertada para fluxo de refugiados
Visite o site (em Inglês)
Procedimento para Seleção e Nomeação do Secretário-geral da ONU.
1 de março de 2016, Editado por UNRIC