Um “acordo sem precedentes” sobre a retoma das exportações ucranianas de cereais através do Mar Negro no decorrer da guerra é “um farol de esperança” num mundo que precisa desesperadamente dele, afirmou o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, na cerimónia de assinatura, em Istambul, Turquia, na sexta-feira.
O plano da ONU, que também prepara o caminho para que os alimentos e fertilizantes russos cheguem aos mercados mundiais, vai ajudar a estabilizar os preços dos alimentos e evitar cenários de fome para milhões de pessoas.
Os ministros russo e ucraniano assinaram a chamada “Iniciativa dos Grãos do Mar Negro”, frente a frente, em extremos opostos da mesa, enquanto o secretário-geral da ONU e o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan se sentaram no centro.
Esperança e alívio
“Hoje, há um farol no Mar Negro”, considerou o líder da ONU, antes da assinatura. “Um farol de esperança – um farol de possibilidades – um farol de alívio – num mundo que precisa dele mais do que nunca”.
Guterres agradeceu ao presidente Erdogan e ao seu governo por terem facilitado as conversações que conduziram ao acordo e elogiou os representantes russo e ucraniano por colocarem de lado as suas diferenças em prol do interesse comum da humanidade.
“A questão não tem sido o que é bom para um lado ou para o outro. O enfoque tem sido no que é mais importante para os povos do nosso mundo. E que não haja dúvidas – este é um acordo para o mundo”, disse o secretário-geral da ONU.
A Ucrânia está entre os principais exportadores mundiais de cereais, fornecendo anualmente mais de 45 milhões de toneladas ao mercado mundial, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
A invasão russa, que começou a 24 de Fevereiro, trouxe preços recorde aos alimentos e combustíveis, bem como problemas na cadeia de abastecimento, com grandes quantidades de stocks de cereais retidos.
Além de estabilizar os preços mundiais dos alimentos, o acordo “vai trazer alívio para os países em desenvolvimento e para as pessoas mais vulneráveis”.
“Desde que a guerra começou tenho vindo a salientar que não existe solução para a crise alimentar mundial sem assegurar o pleno acesso aos produtos alimentares da Ucrânia e aos alimentos e fertilizantes russos”, destacou António Guterres.
![](https://unric.org/pt/wp-content/uploads/sites/9/2022/07/UN7945372_the_agreement_on_the_safe_transportation_of_grain__and__foodstuffs_055_.jpg)
Um longo percurso
A iniciativa permite volumes significativos de exportação de alimentos comerciais a partir de três portos-chave da Ucrânia no Mar Negro – Odessa, Chernomorsk e Yuzhny.
O secretário-geral anunciou também a criação de um Centro Conjunto de Coordenação para monitorizar a implementação. Este centro vai ser instalado em Istambul e vai contar com representantes da Ucrânia, Rússia e Turquia.
Equipas de inspeção vão monitorizar o carregamento de cereais nos três portos. Os navios piloto ucranianos vão guiar os navios através do Mar Negro, que é minado, por um corredor que passa pelo Estreito do Bósforo.
António Guterres reconheceu “o longo caminho” de semanas de negociações, 24 horas por dia, que conduziram a este acordo “histórico”.
Em abril, o secretário-geral da ONU encontrou-se com o presidente russo Vladimir Putin e com o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy para propor um plano. A ONU tem estado “a trabalhar todos os dias desde então”, disse.
Duas Forças de Trabalho da ONU foram criadas em paralelo durante as conversações – uma centrada no carregamento de cereais ucranianos através do Mar Negro, liderada pelo chefe dos assuntos humanitários da ONU, Martin Griffiths, e a outra na facilitação do acesso aos alimentos e fertilizantes russos, liderada por Rebecca Grynspan, secretária-geral do organismo de comércio e desenvolvimento da ONU, UNCTAD.
Farol de paz
O secretário-geral prometeu o total empenho das Nações Unidas no acordo e exortou todas as partes a fazerem o mesmo.
“Este é um acordo sem precedentes entre duas partes envolvidas num conflito sangrento. Mas esse conflito continua”, disse, observando que pessoas estão a morrer todos os dias à medida que os combates se desenrolam.
“O farol da esperança no Mar Negro brilha hoje, graças aos esforços coletivos de muitas pessoas. Nestes tempos difíceis e turbulentos para a região e para o nosso mundo, que esse farol oriente o caminho para aliviar o sofrimento humano e assegurar a paz”.