O aumento na frequência, na intensidade e na duração das ondas de calor e, consequentemente, de incêndios florestais ao longo deste século irá provavelmente piorar a qualidade do ar, prejudicando a saúde humana e os ecossistemas. A interação entre a poluição e as alterações climáticas vai gerar uma “penalização climática” adicional para centenas de milhões de pessoas. Estas são algumas das principais conclusões de um novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM).
O Boletim Anual da Qualidade do Ar e do Clima da OMM, publicado no Dia Internacional do Ar Limpo para um Céu Azul (7 de setembro), explica o estado da qualidade do ar e a sua estreita relação com as alterações climáticas. O boletim explora uma série de possíveis resultados da qualidade do ar em cenários de alta e de baixa emissão de gases de efeito estufa e foca-se, em particular, no impacto do fumo dos incêndios florestais de 2021.
Tal como em 2020, as condições quentes e secas exacerbaram a propagação de incêndios florestais no oeste da América do Norte e na Sibéria, produzindo aumentos generalizados nos níveis de partículas pequenas (PM2,5) prejudiciais à saúde. “À medida que o globo aquece, espera-se que os incêndios florestais e a poluição do ar associada aumentem, mesmo tendo um cenário de baixas emissões. Além dos impactos na saúde humana, isso também afetará os ecossistemas à medida que os poluentes do ar passam da atmosfera para a superfície da Terra”, alerta o secretário-geral da OMM, Prof. Petteri Taalas. “Vimos isso nas ondas de calor na Europa e na China este ano, quando as condições atmosféricas altas e estáveis, a luz do sol e as baixas velocidades do vento conduziram a altos níveis de poluição”, lembrou. “Esta é uma antecipação do futuro, porque esperamos um aumento adicional na frequência, intensidade e duração das ondas de calor, o que pode levar a uma qualidade do ar ainda pior, um fenómeno conhecido como “penalização climática”, adianta ainda o líder da OMM. A “penalização climática” refere-se especificamente ao efeito de amplificação das alterações climáticas na produção de ozono troposférico, que impacta negativamente o ar que as pessoas respiram. As regiões com as maiores penalizações climáticas projetadas – principalmente na Ásia – abrigam cerca de um quarto da população mundial.
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A OMM explica que a qualidade do ar e o clima estão interligados porque as espécies químicas que levam à degradação da qualidade do ar são normalmente coemitidas com gases de efeito estufa. Assim, alterações mudanças na qualidade do ar causam inevitavelmente mudanças no clima e vice-versa. A combustão de combustíveis fósseis (uma fonte importante de dióxido de carbono (CO2)) também emite óxido de nitrogénio (NO), que pode reagir com a luz solar para levar à formação de aerossóis de ozono e de nitrato. A qualidade do ar, por sua vez, afeta a saúde do ecossistema através da deposição atmosférica (à medida que os poluentes do ar se depositam da atmosfera na superfície da Terra). A deposição de nitrogénio, enxofre e ozono pode afetar negativamente os serviços prestados pelos ecossistemas naturais, como água potável, biodiversidade e armazenamento de carbono, e pode afetar o rendimento das culturas em sistemas agrícolas.
Incêndios florestais em 2021
O Serviço de Monitorização da Atmosfera Copernicus da União Europeia mede partículas globais. PM2,5 (ou seja, material particulado com diâmetro de 2,5 micrômetros ou menor) constitui um grave risco para a saúde se inalado por longos períodos de tempo. As fontes incluem emissões da combustão de combustíveis fósseis, incêndios florestais e poeiras do deserto levada pelo vento. Incêndios florestais intensos geraram concentrações anormalmente altas de PM2,5 na Sibéria, no Canadá e nos EUA em julho e agosto de 2021. As concentrações de PM2,5 no leste da Sibéria atingiram níveis inéditos, impulsionadas principalmente pelo aumento das altas temperaturas e condições de solo seco. O total anual de emissões estimadas no oeste da América do Norte ficou entre os cinco principais anos do período de 2003 a 2021, com concentrações de PM2,5 bem acima dos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde.
Cenários futuros
O Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) explora cenários sobre a evolução da qualidade do ar à medida que as temperaturas aumentam no século XXI. O Relatório conclui que a probabilidade de eventos catastróficos de incêndios florestais – como os observados no centro do Chile em 2017, na Austrália em 2019 ou no oeste dos Estados Unidos em 2020 e 2021 – provavelmente aumentará em 40-60% até ao final deste século num cenário de emissões elevadas, e em 30-50% num cenário de baixas emissões. Se as emissões de gases de efeito estufa permanecerem altas, fazendo com que as temperaturas globais aumentem 3°C em relação aos níveis pré-industriais na segunda metade do século XXI, espera-se que os níveis de ozono aumentem em áreas altamente poluídas, particularmente na Ásia. Isso inclui um aumento de 20% no Paquistão, norte da Índia e Bangladesh, e 10% no leste da China. A maior parte do aumento de ozono será devido a um aumento nas emissões da combustão de combustíveis fósseis, mas cerca de um quinto desse aumento resultará das alterações climáticas, provavelmente realizadas através do aumento das ondas de calor, que amplificam os episódios de poluição do ar. Portanto, as ondas de calor, que estão a tornar-se cada vez mais comuns devido às alterações climáticas, provavelmente continuarão a levar a uma degradação da qualidade do ar.
Um cenário mundial de neutralidade de carbono limitaria a ocorrência futura de episódios extremos de poluição do ar por ozono. Isto porque os esforços para mitigar as alterações eliminando a queima de combustíveis fósseis (à base de carbono) também eliminarão a maioria das emissões causadas pelo homem de gases precursores de ozono (particularmente óxidos de nitrogénio (NOx), compostos orgânicos voláteis e metano). O material particulado, comumente referido como aerossóis, possui características complexas que podem arrefecer ou aquecer a atmosfera. Altas quantidades de aerossol – e, portanto, baixa qualidade do ar – podem arrefecer a atmosfera refletindo a luz solar de volta para o espaço ou absorvendo a luz solar na atmosfera para que nunca atinja o solo. O IPCC sugere que o cenário de baixo carbono estará associado a um pequeno aquecimento de curto prazo antes da diminuição da temperatura. Isso ocorre porque os efeitos da redução das partículas de aerossol, ou seja, menos luz solar refletida no espaço, serão sentidos primeiro, enquanto a estabilização da temperatura em resposta às reduções nas emissões de dióxido de carbono levará mais tempo. No entanto, as emissões naturais de aerossóis (por exemplo, poeira, fumo de incêndio florestal) provavelmente aumentarão num ambiente mais quente e seco devido à desertificação e às condições de seca, e podem anular alguns dos efeitos das reduções de aerossóis relacionados às atividades humanas. Um mundo futuro que segue um cenário de baixas emissões de carbono também se beneficiaria da redução da deposição de compostos de nitrogénio e enxofre da atmosfera para a superfície da Terra, onde podem danificar os ecossistemas. A resposta da qualidade do ar e da saúde do ecossistema às futuras reduções de emissões propostas será monitorizada pelas estações da OMM em todo o mundo, que podem quantificar a eficácia das políticas destinadas a limitar as alterações climáticas e melhorar a qualidade do ar. A OMM continuará, portanto, a trabalhar com uma ampla gama de parceiros, incluindo a Organização Mundial da Saúde e o Serviço de Monitorização Atmosférico Copernicus da UE para vigiar e mitigar os impactos.