O relatório anual do Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP) foi lançado ontem num evento no Instituto Camões que contou com a participação da diretora do Escritório do FNUAP em Genebra, Mónica Ferro e a embaixadora portuguesa da Boa Vontade do FNUAP, Catarina Furtado.
Focado na crise das gravidezes não intencionais, o relatório “Estado da População Mundial 2022” revela que, por ano, 121 milhões de mulheres e meninas engravidam sem querer. Destas gravidezes, 60% acabam por ser interrompidas, 45% das quais são feitas em condições inseguras.
Crise invisível
A diretora do escritório do FNUAP em Genebra, Mónica Ferro, afirmou ontem que a crise das gravidezes não intencionais “é uma crise invisível que se desenrola perante os nossos olhos” que implica “custos insuportáveis para as pessoas… para o mundo (…) e para o desenvolvimento. Mas acima de tudo esta crise demonstra um “fracasso mundial na defesa e consideração dos direitos das mulheres e das raparigas.”
A pobreza, os níveis baixos de escolaridade, a falta de participação no mercado de trabalho e a exposição à violência são fatores que aumentam o risco das gravidezes não intencionais. Adicionalmente, a falta de uso de métodos contracetivos também influencia significativamente o número de gravidezes não intencionais.
Mundialmente, cerca de 257 milhões de mulheres que querem evitar a gravidez não estão a usar métodos contracetivos modernos e seguros. Enquanto há 40 anos a falta de informação era a maior causa do não uso de contracetivos, atualmente, é “a causa menos invocada”. Hoje, em vez de haver da falta de informação existe um excesso de desinformação e algumas das causas mais evocadas do não uso de contracetivos são a preocupação com os efeitos secundários e a oposição à utilização destes métodos. Nos países da CPLP como o Portugal e o Brasil a taxa de uso de contracetivos é superior a 60% e acima de média global de 49%. Em contraste, os outros países da CPLP estão bem abaixo da média mundial como Timor-Leste onde só 19% das mulheres e raparigas usam métodos contracetivos modernos.
O relatório do FNUAP também revela que alguns países da CPLP têm números muito elevados de casamentos infantis como Moçambique onde 53% dos casamentos ocorrem antes dos 18 anos, muito acima da média mundial de 26%. Adicionalmente, os dados sobre a taxa de natalidade de adolescentes revelam que todos os países da CPLP, com excepção de Portugal e de Cabo Verde, estão acima da média mundial. Em Angola,por exemplo, em cada 1.000 grávidas, 63 são adolescentes. A embaixadora da Boa Vontade da FNUAP, Catarina Furtado, falou sobre as suas próprias experiências nos países da CPLP e comentou especificamente sobre Cabo Verde, onde conseguiu testemunhar os esforços conjuntos do governo e da FNUAP no combate à gravidez não intencional, à desigualdade de génere e à pobreza.
Crises humanitárias
“Uma em cada duas gestações ocorre no corpo de pessoas que não escolheram deliberadamente a gravidez ou a maternidade, que não estavam abertas à perspetiva de ter uma criança naquele momento, com aquele companheiro, naquela circunstância. Para essas mulheres, a escolha reprodutiva que mais altera as suas vidas – engravidar ou não – não é uma escolha de todo”
Diretora do escritório da FNUAP em Genebra, Mónica Ferro
A falta de autonomia das mulheres sobre os seus próprios corpos e as suas próprias vidas é particularmente evidente na crise das gravidezes não intencionais. Muitas adolescentes não escolhem ser mães jovens e muitas mulheres que vivem em áreas de conflito como a Ucrânia, o Afeganistão e o Iémen não escolhem ser mães nessas circunstâncias e em plena crise humanitária.
O relatório da FNUAP revela que “prevê-se que a guerra na Ucrânia e outros conflitos e crises no mundo aumentem as gravidezes não planeadas, à medida que se interrompe o acesso a contracepção e aumenta a violência sexual.” Para apoiar os afetados pela guerra na Ucrânia, a FNUAP criou linhas de apoio para vítimas de violência de género, abrigos supervisionados e “salas de crise”. Outras agências da ONU como o ACNUR enviaram Coordenadores de Proteção contra a Exploração Sexual e o Abuso (PSEA). Na Ucrânia, cerca de 250 mil mulheres na Ucrânia estavam grávidas quando da invasão começar e desde esse dia mais de 4,300 bebes já nasceram, e estima-se que mais 80 mil bebés mulheres vão dar à luz no espaço de três meses.
No Afeganistão, a desigualdade de género e a falta de acesso a serviços de saúde devido ao conflito levarão a cerca de 4,8 milhões de gestações não planeadas até 2025, o que “compromete a estabilidade, a paz e a recuperação geral do país”.
A nível mundial, a pandemia covid-19 condicionou o acesso geral a métodos contraceptivos e estima-se que a falta de acesso a contraceptivos modernos levou a cerca de 1,4 milhões de gravidezes não planeadas em 2020.
Crise de desenvolvimento
Esta crise invisível não é uma questão de maternidade, mas sim uma “questão de saúde, uma questão de direitos humanos, uma questão de desenvolvimento e uma questão humanitária.”
O relatório de 2022 do FNUAP relevou que uma taxa elevada de gravidezes não planeadas leva a baixos níveis de desenvolvimento económica e social, uma maior desigualdade de género e a altas taxas de mortalidade infantil. Ao reduzir a taxa de gravidezes não intencionais estamos a “ajudar ao cumprimento dos objetivos de desenvolvimento social (ODS)”, especificamente o ODS 5 que se foca na igualdade de género.
Para baixar o número de gravidezes não planeadas, e consequentemente, avançar o desenvolvimento mundial, o FNUAP afirma que devemos:
- Garantir o acesso à mais ampla escolha de contraceptivos e cuidados de saúde sexual e reprodutiva de qualidade
- Educar a juventude sobre a sexualidade a reprodução
- Aumentar o acesso à educação e oportunidades de emprego para mulheres e raparigas e encorajá-las a adiar a gravidez
- Investir em investigação no campo de contraceptivos para reduzir os efeitos secundários, a sua aceitabilidade e criar contraceptivos masculinos.